Eu não acredito no ano novo e a passagem do tempo me confunde.

Sei de alguém que culpa essa falta de fé no meu aniversário - primeiro de janeiro -, mas não sei.

Também não aredito em manter diários.

No fim do dia, acho que me pauto mais no correr da vida do que nas horas pra marcar o tempo.

Enfim. Te amo, não esquece.

Até qualquer hora.

maybe i'm violent

but when i kick the walls hoping for an exposed fracture
those are only my own shadows
only mine, and only me (the wall).
i need you to know.

i'm sorry you can't help but feel it on your ribs
(so of course i have stopped, but still--)

and i get it, you just wanted something warm
honey, tea, and no toast
but the future keeps crumbling
nibbled through the corners to the cern -
to the bone, to the marrow, to the soul and hardened muscle

i'm sorry I can't be here forever

i'm sorry neither can You

i think i finally hit loneliness
awake at 6pm running on 3 hours of sleep
caught by morning light

the world has already ended
we're just the debris

so i'm making up someone to love,
daydreaming as a voyeur of ghost couples.
if this is what being alive feels like, i --

(i wish i could breath someone in and be alive)

i understand now the addicts

writing sunset boys
shedding off night tar.
don't abandon your bad habits,
just save them for your worst days

savour the relief of making it all even worse,
bask in the taste of ruining it all once again.

bite yourself just hard enough and the itch stays for days

yes, i've been trying death for size
but the moment never fits quite right

A metanarrativa da carreira de El Desperado é uma narrativa queer e representa uma importante mudança na cultura da luta-livre - esta repleta de relações homossociais normativas que refletem o consciente e inconsciente coletivo de seu tempo.

  1. AS ORIGENS DA LUTA LUTA-LIVRE, SEUS ARQUÉTIPOS E O USO DE IMAGENS DE CONTROLE
  2. A luta-livre é, acima de tudo, um espetáculo visual, uma performance teatral que simula um combate real. Tendo origem como espetáculo circense, surgiu como combate real entre homens que eram apresentados como possuidores de força acima do normal. Os vencedores por vezes pré-estabelecidos acabaram tornando-se a norma quando os responsáveis pelos espetáculos perceberam que a construção narrativa deixava o pÚblico mais satisfeito com os resultados da luta e, logo, atraía um público ainda maior.

    Por romper com o real enquanto ainda sob a pretensão de não o ter, esse meio tem a capacidade de promover catarses profundas, mas, por se prender à simulação da realidade do combate e por sua origem itinerante, tem ferramentas e dispositivos narrativos limitados ao seu dispor - o que resulta em narrativas simples, o mais diretas possíveis, funcionando como contos morais melodramáticos que promovem catarse no pÚblico através da indução da identificação da plateia com a imagem do herói - o vencedor da luta contra o vilão trapaceiro representante das ameaças culturais à época.

    As narrativas de cada luta são rápidas, simples e o mais diretas possíveis, funcionando como contos morais melodramáticos.Para tal, ela recorre a formas de caracterização que seguem o pensamento regional e cultural mais bem aceitos à época - estereótipos, imagens de controle.

    A partir disso, dois papéis são performados pelos lutadores: o "babyface" ou apenas "face", que funciona como o herói, que não trapaceia e que geralmente tem o apoio da platéia por representar superioridade moral; e o "heel", o antagonista trapaceiro que incita raiva e repulsa na plateia.

    O conto da luta-livre é um de justiça, a catarse vem da vingança, o prazer da dominação do Herói sobre O Outro. A estrutura usual é a de apresentação dos personagens, o início do embate, o perigo do face vencer que impulsiona o heel a começar seus ataques ilegais que enojam a plateia, a recuperação do face em um momento de deslize do heel, e a vitória limpa do face.

    Os personagens são pura iconografia, caricaturas em histórias exageradas servindo de espelho honesto das opiniões, preconceitos e comportamentos da época.

    Faces são montados para ser apoiados pela plateia, um ideal e um exemplo a ser seguido - um reflexo dos valores da plateia, caricaturas alinhadas ao imaginário local do herói-nacional, o cidadão ideal, o que a plateia aspira ser.

    Já heels são o oposto. De novo, caricaturas montadas com o objetivo de causar repulsa, raiva, descontentamento e até ódio.

    Não é de admirar-se, então, a longa lista de lutadores heels que se utilizam de marcadores de identidades minoritárias em ringue - como por exemplo, adoção de uma performance Camp e aspectos de codificação queer.

  3. A LUTA-LIVRE MODERNA E O KAYFABE
  4. Por ser mímica de um esporte real, é esperado que os lutadores mantenham a ilusão do espetáculo ser um embate esportivo real. O nome que se dá a essa farsa, é kayfabe.

    Com a disseminação dos meios de comunicação em massa, o espetáculo - para manter atenção - toma formas de narrativa e meta-narrativa. O espetáculo não é mais intinerante, há tempo para mais de um combate e a narrativa de uma luta é esticada através de várias, além de serem adicionados ao espetáculo vídeos de comentários pré e pós-lutas, assim como material promocional para as tais - todos esses vídeos chamados de "promos" - criando espaço para mais nuance e complexificação de narrativas e das relações entre os lutadores. Com isso, "kayfabe" também passa a ser usado também para referir-se aos aspectos ficcionais da luta-livre, os relacionamentos e sentimentos representados na narrativa que geralmente não refletem a realidade daqueles que os performam, mas que são vendidos como se fossem.

    Essa complexificação abre abertura para subversão, mas ao invés disso, há um reforço da normatividade: passa-se a ser esperado que o kayfabe seja mantido não só em momentos em que é relevante - como no ringue -, mas para além disso - literalmente qualquer interação com o pÚblico, incluindo posts em redes sociais e encontros por acaso com fans -, borrando as linhas entre realidade e ficção, estreitando as relações entre o ponto de vista da sociedade e os expressados em ringue, na tentativa de tornar a performance mais crível, possível dentro do mundo real.

  5. MASCULINIDADES, RELAÇÕES HOMOSSOCIAIS, PÚBLICO E A RELEVÂNCIA DE LEITURAS QUEER
  6. Por utilizar a ilusão de um esporte real como meio de linguagem, a luta-livre utiliza-se de diversas convenções de esporte, uma delas sendo a divisão por gênero, o que torna relações homossociais o foco da maior parte das narrativas.

    Também como na maioria dos esportes reais, infelizmente, há a priorização, por parte do pÚblico (em maioria, masculino) de lutadores homens, tornando tudo uma produção primariamente de homens, para homens, explorando relações entre homens de uma forma sem filtros - terreno fértil para análise.

    Pessoas de fora desse demográfico, então, tem uma janela aberta para esse mundo através da luta-livre, e é notável as diferenças de interpretação - anedoticamente, no podcast "Tunnel Talk", onde mulheres queer que recentemente interessaram-se por luta-livre falam do assunto, há um momento em que comentam sobre assistir com um colega homem, cisgênero e heterossexual, que em certo momento de uma das lutas comentadas no programa sob um ponto de vista homoerótico, disse (traduzido e parafraseado) "eu sei o que vocês estam vendo, e eu entendo porquê, mas não é o mesmo que e eu estou vendo."

    Como qualquer mídia, a interpretação das imagens reflete tanto o produtor das imagens, como aqueles que as interpretam. O lugar da luta-livre como espelho deliberadamente fiel mas exagerado da sociedade em um nível, enquanto também do inconsciente e imaginário coletivo em outro - este nem sempre tão proposital -, torna a análise das narrativas de um ponto de vista queer tão possíveis quanto relevantes, no sentido de que aponta tendências e pulsões da mentalidade popular não discutidas de forma abrangente em sociedade.

    Há uma miríade de narrativas com aspectos queer dentro da luta-livre, mas em sua maioria, essas narrativas relegam esses aspectos ao subtexto e o colocam como oposição moral ao herói, colocando-os no lugar do Outro. A história de El Desperado então, sobressai-se por arrastar o subtexto ao texto por vezes (embora não de forma constante como a narrativa dos Golden Lovers) e por pintar uma narrativa com nuance e que espelha uma jornada primariamente queer em todos os sentidos da palavra.

  7. JOSÉ EL DESPERADO
  8. El Desperado é um lutador que performa primariamente na empresa NJPW. Sua persona é a de um violeiro metade japonês metade mexicano que começa como um face, mas que após uma série de derrotas e duas alianças desfeitas, torna-se heel, juntando-se a uma facção conhecida por ser particularmente cruel.

    Os símbolos visuais mais marcantes dele são sua máscara - que em branco, preto e dourado evoca a imagem de uma caveira em chamas -, o violão que por vezes traz consigo para o ringue e usa não só da forma usual mas também como arma, e a rosas, que estão presentes em seu vídeo de apresentação e que leva consigo para lutas com adversários que considera especiais.

    Como personagem, recorrentemente lida com dilemas relacionados a se provar merecedor de respeito - a qualquer custo -, rejeição e alienação por pessoas e grupos, e uma falta de auto-preservação acima da média quando em contraste com outros lutadores com trajetórias e em espaços similares ao seu.

  9. KOTA IBUSHI
  10. A primeira aparição de El Desperado dá-se logo após Kota Ibushi conseguir o cinturão de uma categoria que El Desperado qualificava-se para disputar por.

    é comum que o detentor de um cinturão seja desafiado. Esse desafio geralmente acontece em ringue, através de algum discurso seguido de violência, ou da clara promessa dela.

    Quando El Desperado aparece e vai em direção ao ringue, ele leva consigo um case de violão. A expectativa é a violência. Entretanto, quando o case é aberto, é revelado um buquê de rosas que é entregue a Kota Ibushi.

    a gif

    Fonte: https://mitchtheficus.tumblr.com/post/644424730388086784/ill-never-forget-how-much-you-sucked-back-then

    Nesse momento não há apenas a quebra da expectativa da luta-livre (a promessa de violência é implícita enquanto os indicadores que evocam romance são explícitos, uma inversão da norma), mas também do que é esperado e aceito nas relações masculinas homossociais.

    é notável também que essa interação envolva Kota Ibushi - um dos dois membros da dupla de lutadores conhecida como os Golden Lovers, cuja narrativa e simbologia gira em torno do conceito dos dois membros da dupla (Kota Ibushi e Kenny Omega) manterem um relacionamento romântico conturbado entre si e representarem, por si, uma outra quebra da usual representação e codificação queer dentro da luta-livre.

    Inicialmente tidos como uma dupla mais cômica, os Golden Lovers eventualmente assumem papéis e tramas mais dramáticas, que culminam em uma história romance interrompida pela competitividade entre seus membros estimulada pela cultura da luta-livre. Kenny torna-se heel, Ibushi continua face, e a plateia é induzida a torcer não pela separação da dupla, mas pelo reencontro dos dois, em igualdade. é induzida, por uma das primeiras vezes, não a ver os aspectos queer da narrativa não como revoltantes ou odiosos, mas como o objetivo, o resultado natural da história.

    Há de se observar, no entanto, que esteticamente, nenhum dos membros dos Golden Lovers foge à norma da representação da masculinidade dentro da luta-livre. A codificação não está nas personas, mas na narrativa - o que os diferencia das caricaturas que povoam o mundo dos heels de estética Camp.

    é desafiando Kota Ibushi com um buquê de flores que El Desperado se apresenta pela primeira vez ao mundo da luta-livre.

    O buquê de flores é abandonado no ringue, mas o desafio é aceito. No dia seguinte, sem valer o cinturão, Desperado, junto de Jushin Thunder Liger - um lutador já estabelecido e mundialmente reconhecido - vence de Ibushi que nessa luta faz dupla com BUSHI.

    No entanto, quando Desperado enfrenta Ibushi sozinho valendo o cinturão, perde. Liger logo vira-se contra ele.

    Desperado então tenta uma parceria com Kota Ibushi que rapidamente se desfaz depois que a dupla desafia os detentores do cinturão de duplas e perde.

    Depois disso, Desperado é colocado para competir na liga de melhores iniciantes e acaba sendo desclassificado na primeira parte do torneio, perdendo 4 lutas.

    E então, El Desperado torna-se heel.

    Suzuki-gun é um grupo, uma facção, fundada por Minoru Suzuki, um lutador que anteriormente lutava MMA e cuja persona é de um heel cruel, que luta com o objetivo de torturar e intimidar seus oponentes, sendo a vitória apenas um resultado natural disso.

    A facção em si é unida, mas cruel não só para os de fora como entre os próprios membros, sendo El Desperado colocado, inicialmente, como saco de pancadas coletivo e parceiro de treino favorito de Suzuki - de novo, uma persona sádica.

    Ainda assim, El Desperado permanece, mesmo sendo constantemente desrespeitado por todos, pois sente a necessidade do grupo que essencialmente funciona como uma rede de apoio. Sim, o apoio é condicional, mas pelo menos existe - uma situação comum para pessoas pertencentes a grupos vulneráveis.

    Desperado acaba sofrendo uma lesão, real, no pescoço.

    Após a recuperação, o retorno ao Suzuki-Gun é duro. A facção exige que, para retornar, Desperado ganhe uma luta contra algum dos membros e, depois de uma vitória técnica, ele retorna, mas o grupo (com exceção de Zack Sabre Jr., lutador que que tem como parte significativa da sua persona ser comunista e esquerdista, no geral) continua o tratando desrespeitosamente, e quando forçado a escolher entre outros membros e El Desperado, sempre escolhem outros.

    Por exemplo, em um torneio de duplas, duas duplas pertencentes ao Suzuki-Gun tiveram um embate e, nela, todos trapacearam em favor da outra dupla e especificamente sabotando El Desperado, e irritaram-se com a recusa dele de simplesmente desistir da luta.

  11. HIROMU TAKAHASHI
  12. Um dos rivais recorrentes de El Desperado é Hiromu Takahashi. Hiromu treinou junto com El Desperado e interage com ele pela primeira vez declarando saber quem Desperado é debaixo da máscara, odiar essa pessoa, e ameaçando desmascará-lo e revelar sua real natureza monstruosa ao pÚblico.

    Desperado responde de forma condescendente, declara que Hiromu é imaturo, mas também diz amá-lo. Ao que Hiromu responde repetindo que o odeia.

    A resolução desta parte do arco é uma luta em que Hiromu dá a ele o mesmo buquê dado a Kota Ibushi - como se estivesse zombando do ato. Desperado destrói o buquê acertando-o em Hiromu.

    a gif a gif

    Fontes:

    to me, my x-men!

    Wrestling Soulmates, if you will.

    Durante a luta, Takahashi arranca a máscara de Desperado.

    A máscara de um lutador representa toda a sua identidade, o símbolo máximo da personagem performada. Lutadores que são humilhados pela retirada de sua máscara escondem o rosto a todo custo - como El Desperado já havia feito em uma luta menos importante contra Hiromu anteriormente, quando teve a máscara completamente retirada.

    Nesse momento, El Desperado, não se movimenta para esconder o rosto, mas continua a partida com Hiromu, apenas recuperando e colocando a máscara quando Hiromu está no chão.

    Nesse momento, vencer de Hiromu, seu relacionamento com Hiromu, é mais importante que a identidade performada por ele - interpretação ressaltada ao vivo por Milano Collection A.T., um dos comentaristas da luta.

    Ao fim da luta, Desperado quebra a expectativa de desmascarar-se (pois como já o havia sido, não importava mais), dizendo ao pÚblico "não esperem um final de conto de fadas toda vez, vocês têm que encarar a realidade."

    O desmascarar de um lutador mascarado tem muito significado pois, como já explicado, a máscara é a representação máxima da identidade, da performance pÚblica. Nas raras vezes em que mascarados perdem suas máscaras definitivamente, é necessário a construção de toda uma nova identidade que corresponda a essa nova fase sem o artifício de esconder o rosto, o que traz todo um outro lado da persona, que agora tem que achar novas maneiras de se estabelecer e se expressar através do rosto - importante em uma performance teatral e com uma plateia distante como na luta livre.

    é possível, então, a partir de similaridades, a leitura da narrativa de desmascarar como uma narrativa de Saída do armário. Dessa forma, a recusa da retirada da máscara somada ao fragmento de discurso citado, tem, sim, conotação de uma escolha deliberada de auto-repressão em favor de um status quo, mas também a recusa da entrega de um "final feliz" a plateia, a sociedade heteronormativa que, hoje, entende a saída do armário como a resolução cômoda de toda narrativa queer.

    O outro ator dessa narrativa, Hiromu Takahashi, assume uma estética flamboyant e faz ocasionais comentários sexual e romanticamente sugestivos sobre seus oponentes. Nunca foi um lutador mascarado. Usando a analogia do armário, Takahashi não representaria alguém fora dele, mas alguém que nunca de fato colocou-se em um.

    hiromu

    Fontes: https://www.giantbomb.com/hiromu-takahashi/3005-44868/

    Hiromu Takahashi – 高橋ヒロム – LIJ | NEW JAPAN PRO-WRESTLING

    O atrito de duas pessoas tentando se relacionar (através da violência, que é a linguagem da luta-livre) tendo como obstáculo um armário - a máscara - entre elas, é o conflito principal da narrativa superficial aqui. Esse armário cria diferenças na experiência e compreensão do mundo - o que leva a problemas, como o tom inicial condescendente de El Desperado. Em outro nível, a "monstruosidade" que ameaça vir à tona, arrastada para a luz por um encontro com um homem que não se reprime de forma alguma, seria os aspectos queer da identidade de Desperado.

    No final da luta, Hiromu grita, enquanto Desperado sai do ringue "Isso foi bom, vamos fazer amor outra vez de novo, tá certo?" referindo-se a partida.

    Desse ponto em diante, o ódio de Hiromu por Desperado vai se dissipando, como registrado em suas anotações anuais publicadas sobre os adversários que enfrenta no torneio.

    Em sua Última luta um contra o outro - antes de começarem a comentar sobre um possível tag team dos dois, e momento final dessa Última parte do arco - Hiromu rasga parte da máscara de Desperado, que ao invés de apenas deixá-la lá como geralmente faz quando ocorre, retira seus restos, que atrapalhariam a partida contra Hiromu.

  13. KOTA IBUSHI - FIM
  14. Logo após essa Última partida, Hiromu - então em posse do cinturão SuperJÚnior - é lesionado e Desperado o conquista em uma partida contra os outros dois melhores ranqueados, e até comenta que ele achava que era de Hiromu que tiraria o título, relembrando suas inseguranças, dessa vez refletidas em um medo de não ser merecedor do título.

    Seguindo o tema de ter que provar-se digno, Desperado - que junto do cinturão ganha o direito de desafiar o portador do título IWGP - desafia o tal portador: Kota Ibushi.

    Enquanto Desperado lança o desafio, Ibushi mina ainda mais sua confiança perguntando se Desperado lembra-se da primeira luta deles, pois ele nunca esqueceu o quanto Desperado lutava mal nessa primeira luta. E aceita o desafio.

    Desperado perde, mas Ibushi declara o Desperado de agora realmente um adversário à altura, ressalta sua evolução e age de acordo.

    Ele ganha o respeito de Kota Ibushi, e seu pertencimento ao Suzuki-Gun é reforçado quando outros membros da facção sobem no ringue após a luta para ajudá-lo e confortá-lo.

  15. JUN KASAI
  16. Dentro da luta livre, há uma categoria de luta que é classificada como "Deathmatch". Deathmatches são lutas em que sangue real é deliberadamente derramado - geralmente de algum corte deliberado no topo da testa, onde pequenas feridas geram sangramento mais volumoso. O nível de violência performada em Deathmatches é maior, fugindo da mímica do esporte e entrando na mímica do embate real, da arena de gladiadores. é comum nesses tipos de luta, por exemplo, o uso de arame farpado, lâmpadas, mesas e cadeiras como armas - e embora todos esses artefatos sejam manipulados para causar o menor dano possível real, eles ainda machucam bastante.

    Há vários de críticos e espectadores de luta-livre que criticam veementemente a existência desses tipos de luta, a ponto dela se tornar, até certo ponto, algo tabu. Deathmatches, usualmente, não acontecem em eventos destinados aos meios usuais mais populares de disseminação da luta-livre moderna - como a televisão - e acaba sendo mais marginal, ocorrendo primariamente em eventos não gravados ou distribuídas em plataformas de streaming próprias para empresas menores e ligas independentes.

    Deathmaches fogem da normatividade da luta-livre por ultrapassar os níveis de violência aceitáveis - assim como a Suzuki-Gun.

    Jun Kasai é um dos lutadores especializados em Deathmatches mais conhecidos na contemporaneidade. Ele também é um ídolo de El Desperado e alguém com quem ele sempre sonhou lutar.

    O primeiro confronto deles é resultante de Desperado desafiar Kasai em vingança por seu irmão - em kayfabe - Douki, que havia já lutado com Kasai e perdido. Nessa primeira luta, Desperado sofre uma lesão real no decorrer da luta: quebra de mandíbula. Ele não avisa ninguém mesmo sabendo da gravidade da situação, continua a luta e perde.

    Após a recuperação, El Desperado retorna caracterizando-se como mais confiante e sendo mais respeitado pelos outros membros da Suzuki-Gun - que dessa vez não exigiram que ele vencesse de um dos membros para ser aceito de volta.

    Há alterações na máscara nas primeiras aparições dele após a recuperação: detalhes em dourado na parte da mandíbula que evocam a técnica kintsugi - que utiliza-se de outro para consertar cerâmica quebrada - referenciando a lesão.

    A segunda luta entre Desperado e Kasai ocorre alguns anos depois e é uma partida em dupla: El Desperado e Douki contra Jun Kasai e Tonmoaki Homa.

    Desperado e Douki perdem, mas ao final, Kasai entrega uma rosa a Desperado, e o convida a mais uma luta individual.

    Essa terceira partida é violenta, como as de Kasai geralmente são. Um dos primeiros momentos dramáticos da luta, é a destruição quase completa da máscara de Desperado, que fica o resto da partida pendurada em seu pescoço, rasgada.

    Durante a luta, Jun Kasai beija El Desperado. Jun Kasai, assim como outros lutadores de Deathmatch, costumam beijar adversários por quem nutrem um senso de respeito mais elevado. Entretanto, considerando o histórico de rejeições de Desperado, sua idolização de Jun Kasai e a recente destruição da máscara e indiferença de El Desperado em relação a ela, o ato ganha mais significado - empoderamento através não da saída do armário, mas da indiferença a ele.

    a gif

    Fonte: https://skullgrind.tumblr.com/post/695239960673009664/love-not-war

    Ao fim, Desperado finalmente vence de Jun Kasai pela primeira vez.

    No discurso pós-partida, Jun Kasai retoma algo que Desperado declarara antes da partida: que não importava, para ele, se terminaria a partida vivo ou morto.

    Já foi chamada a luta-livre - não sem razão - de um culto à morte. Lutadores são exaltados por trabalhar mesmo quando sofrendo de condições de saÚde que deveriam incapacitá-los de tal. Empresas grandes e famosas também são infames por pagar médicos para que seus lutadores tenham alta antes de estarem realmente recuperados e a pressionar lutadores a tratarem suas lesões da forma mais rápida e não mais eficiente.

    Um outro grande representante das deathmatches é Nick Gage - um homem que hoje passa bem mas que uma vez sofreu um acidente em ringue que fez seu coração parar por 8 minutos antes de ser ressuscitado. Sequelas deste acidente resultaram em um vício em opióides que o levou a assaltar um banco e ficar preso por 4 anos e meio. Nick Gage ainda é lutador de luta-livre hoje e tem status de lenda dentro do meio.

    E embora a situação de Gage, quando considerada como um todo, seja incomum, as partes que a compõem não são raras na vida dos lutadores de luta-livre. Há, em certo nível, a glorificação dessa falta de auto-preservação.

    Mesmo os críticos de Deathmatches ainda estão assistindo essas grande empresas que abusam da saÚde dos lutadores, ainda estão assistindo pessoas se jogarem do alto das cordas delimitadoras de um ringue sobre um tablado semana após semana sabendo da alta taxa de mortes de lutadores com menos de 50 anos nos USA - mesmo quando em comparação com outros esportes-espetáculos.

    Há uma pulsão de morte entre os lutadores, e as Deathmatches tornam isso explícito - embora cada lutador tenha seus motivos individuais para participarem delas, de recompensa financeira, a intenção artística.

    Essa pulsão de morte também é parte do imaginário popular sobre a cultura queer - a ameaça à existência do futuro, das crianças, sendo o maior símbolo disso. Tanto que "Homonormativity leads many sexual minorities to believe that they can only "escape the charge of embracing and promoting a "culture of death" by performatively rendering a future built entirely from a heterosexual/reproductive logic."

    Jun Kasai então quebra essa lógica por responder a Desperado dizendo "Nenhum homem deveria dar as boas-vindas à morte", indo contra essa pulsão de morte das duas culturas, desestabilizando. Emocionado, Desperado promete nunca mais ser tão descuidado com a própria vida.

    O espaço que mais proporcionou desenvolvimento para Desperado, no entanto, não deixa de ser Suzuki-Gun - um grupo que abraçava violência e destruição e que só o aceitou após ele abraçar isso também (como representado na mandíbula kintsugi), um grupo tóxico ao qual apenas se juntou após a rejeição de um Kota Ibushi do qual recentemente recebeu respeito e reconhecimento pelo crescimento.

    Agora, confiante, após ter conseguido se provar, El Desperado não precisa mais do grupo. Ele não o abandona, mas em alguns meses o grupo se dissolve.

    Essa síntese de aspectos de uma identidade que deveriam ser reprimidos com aspectos desejáveis do ponto de vista externo, assimila-se a estrutura narrativa conhecida como a "jornada da heroína", comumente utilizada para histórias de aceitação interna.

    Ao fim da conversa, Desperado devolve a rosa de Kasai - preservada com cuidado. Ele não precisa mais se provar, eles estão em igualdade agora. (El Desperado ainda sim, pede a promessa de mais uma luta, movendo a narrativa adiante).

  17. CONCLUSÃO

A teoria queer funda-se sobre o inconformismo a norma, tanto quanto as histórias de El Desperado

E a busca por respeito e aprovação de Desperado é alcançada, em geral, exatamente nesses momentos de inconformismo e subversão - de convenções, de estruturas e expectativas - ou em decorrência de desenvolvimento proporcionado por subversões. Por exemplo, o fato dele apenas conseguir o respeito da facção depois de abraçar a destruição - ação que vai contra as normas da sociedade; de conseguir o respeito de Kota Ibushi graças a evolução que teve durante o período na Suzuki-Gun; e de ter seus sentimentos estabelecidos como recíprocos por Hiromu e Kasai após a quebra da convenção da luta-livre de manter sempre a máscara.

A existência de narrativas assim não apenas são importantes por revelar avanço no que tange a mentalidade da população (principalmente masculina, nesse caso) em relação a relacionamentos e pessoas queer, mas também por apresentar caminhos, didatizar, pessoas que talvez nunca fossem alcançadas da mesma forma por outros meios.